Pecuarista já vê forte queda na arroba do boi gordo, mas preço da carne não acompanha esse movimento na ponta do consumidor
“Não há motivos para continuar o embargo”, protesta o presidente da Federação da Indústrias de Mato Grosso (Fiemt), Gustavo de Oliveira. No estado que lidera a produção de carne bovina do Brasil, a cadeia produtiva está preocupada com os efeitos da suspensão das exportações do produto para a China, principal parceiro comercial.
Segundo Oliveira, dos 33 frigoríficos instalados no Estado, sete são voltados pata o comércio com os chineses. No primeiro semestre, foram exportados R$ 800 milhões em carne de boi de Mato Grosso, de acordo com dados da Federação. O embargo derrubou as vendas externas em 50%. O excedente ficou no mercado interno, desvalorizando a carne em 20%.
Carne bovina não acompanha o movimento de queda acentuada do boi gordo (Foto: Paulo Whitaker/Reuters)
“Como não afetou?”, questiona o presidente da Fiemt. “Tiveram que abater antes já com contratos para produzir nos padrões chineses. Voltaram-se para o mercado interno”, conta Oliveira. O Instituto Mato-grossense da Carne (Imac) também fez as contas. Concluiu que as perdas para a pecuária do Estado já passam de US$ 60 milhões. Neste mês, podem superar a barreira dos US$ 88 milhões.
Os embarques de carne bovina para a China estão suspensos desde 4 de setembro, depois da identificação de dois casos atípicos de mal da vaca louca, em Mato Grosso e Minas Gerais. A situação evidenciada pelos números não preocupa apenas pelo fato dos chineses comprarem pelo menos40% da carne bovina brasileira. É um mercado exigente, que requer um padrão de bovino que a cadeia produtiva chama de “boi-China”.
“É um animal precoce, com um sistema de produção intensivo e idade máxima de até trinta meses”, explica Rafael Suzuki, analista da Scot Consultoria. “É uma exigência da China, esse limite de idade, justamente porque os animais mais velhos estão predispostos a terem a doença da vaca louca”, pontua. O boi-China recebe um ágio, mas também custa mais para ser produzido.
Não há números consolidados sobre o quanto há de carne destinada aos chineses no Brasil, onde 64 frigoríficos estão autorizados a exportar carne para os chineses, entre eles os principais abatedouros do país. Enquanto a situação não se resolve, o Ministério da Agricultura emitiu um ofício determinando que o produto fique estocado em contêineres por até 60 dias. A pasta informou que a medida atende pedido do próprio setor produtivo.
Do campo ao varejo
Mesmo sem a China, o Brasil seguiu exportando mais carne bovina. De acordo com o sistema Agrostat, do Ministério da Agricultura (Mapa), os embarques no mês de setembro somaram 211,727 mil toneladas, com um faturamento de US$ 1,187 bilhão. Em setembro de 2020, o volume embarcado foi de 166,017 mil toneladas, gerando aos exportadores uma receita de US$ 668,197 milhões.
De todo modo, o reflexo do embargo chinês sobre os preços no mercado fica evidente a cada dia que passa sem embarque para lá. Pelo menos no campo. O indicador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), com base em São Paulo, indica uma desvalorização acumulada de 10,77% a arroba do boi gordo só neste mês. Na sexta-feira (22/10), a referência fechou a R$ 260,20. Em 28 de junho deste ano, chegou a bater o recorde de R$ 322 por arroba.
“Aconteceu, além da suspensão das exportações à China, um período de saída da boiada de confinamento, aumentando a oferta do produto no mercado interno”, resume Rafael Suzuki, da Scot Consultoria, destacando o momento da chegada dos animais terminados nos cochos.
Em boletim de mercado divulgado na quinta-feira (21/10), o Cepea destaca que o aumento da oferta dos animais vindos de confinamento, além das limitações do poder de compra da população tem pressionado também os preços da carne bovina no atacado, ainda que em menor intensidade.
Mas a desvalorização nas fases anteriores da cadeia parece ainda não ter chegado no varejo. Em setembro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrou queda de 0,21% nos preços de carnes de uma forma geral. Mas itens como o acém, por exemplo, tiveram alta de 1,04%. O contrafilé subiu 0,63%. Entre os cortes que ficaram mais baratos, a alcatra, por exemplo, caiu 0,53% no mês. O músculo teve retração mais acentuada, 2,42%.
Ainda assim, no acumulado do ano, o acém tem alta de 14,67%; o músculo, de 13,54%; o patinho, de 10,91%; e a alcatra, de 7,46%, de acordo com o índice medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“O consumidor não abre mão da carne porque quer, ele abre em função do preço”, observa André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), ressaltando a volta de cenas como a de fila de pessoas com fome em busca de ossos para suprir a falta da proteína.
Olhando para o mercado interno, ele avalia que pode haver uma queda de preços. As carnes respondem, segundo ele, por 2% do orçamento familiar médio do brasileiro. A carne bovina chegou a ficar 24% mais cara nos supermercados nos últimos doze meses até o embargo.
"Solução rápida"?
“Essa questão vai dar muito pano pra manga”, prevê André Braz. Na sua visão, a demora da China em derrubar o veto à carne brasileira pode ter algum Interesse por trás. “Como a China é uma grande compradora de carne brasileira, pode estar querendo obter alguma vantagem”, afirma ele, que avalia o embargo como ruim para o agronegócio, a economia e a balança comercial brasileira.
Diante do impasse, a ministra da Agricultura Tereza Cristina chegou a sinalizar a possibilidade de ir pessoalmente à China discutir a retomada das exportações. Na quinta-feira (21/10), o ministro de Relações Exteriores, Carlos França conversou por videoconferência com o chanceler chinês Wang Yi. De acordo com o informe do Itamaraty, Yi disse acreditar em uma solução rápida para o bloqueio, que completa 50 dias neste domingo (24/10).
Há quem diga que a liberação não deve demorar tanto tempo mais. Em entrevista à Globo Rural, o presidente da Câmara de Comércio Brasil-China, Charles Tang, avaliou que, até certa medida, há espaço para uma flexibilidade, mas o mercado chinês não pode ficar para sempre sem a carne brasileira.
"Por enquanto, ainda tem como não importar do Brasil, mas em breve terá que voltar a comprar carne brasileira", afirma ele, que também é conselheiro em sete províncias chinesas. "Quem sabe esse excedente que foi embargado ajude a baixar o preço, na retomada?", questionou, lembrando que as cotações do produto também pesaram nas relações comerciais neste ano.
A sócia-diretora da consultoria Vallya, especializada em relações sinobrasileiras, Larissa Wachholz, avalia, também em entrevista à Globo Rural, que uma demora pode estar ligada ao rigor burocrático do governo chinês. Mas vê interesse em uma retomada no curto prazo.
"Consumir carne bovina, na China, é uma questão de afluência, é um produto caro, cobiçado e com muito valor nutricional", ela diz. "Por causa disso, me parece que é interesse do governo chinês resolver essa situação logo. E a parcela de carne brasileira é alta, representa 10% do consumo chinês", pontuou.
Fonte: Revista Globo Rural – Bruno Cirillo
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