Por Thaina Aparecida Pereira Moura Cerqueira – Discente do Curso de Medicina Veterinária da UFRRJ
Sob a supervisão de Clayton B. Gitti – Docente do Curso de Medicina Veterinária da UFRRJ
A Brucelose bovina é uma doença de grande importância para a pecuária devido aos transtornos reprodutivos como o abortamento, mastites e todo problema econômico secundário à essas ocorrências. A isso podemos citar a elevada taxa de reposição de animais no rebanho; redução na fertilidade e até a infertilidade com consequente redução na produtividade; rejeição do leite pelas cooperativas, além de ser uma doença zoonótica que traz riscos a quem trabalha diretamente com esses animais, em frigoríficos ou consomem leite e derivados sem o devido tratamento prévio.
Um levantamento realizado por Santos et al. (2013) revelou que as perdas devido à brucelose bovina no Brasil, foram estimadas em R$ 420,12 ou R$ 226,47 para cada fêmea infectada acima de 24 meses de idade em rebanhos de leite ou corte, respectivamente. O prejuízo total estimado foi de, aproximadamente, R$ 892 milhões. A cada 1% de variação na prevalência da doença, estima-se a variação de 155 milhões de reais no custo da brucelose bovina no Brasil e isso tem um peso muito grande no PIB (figura 1 e 2), comprometendo mais de 0,3% da sua fração. Tal fato é muito significativo pois o Brasil é o maior exportador de carne do mundo e, segundo um estudo atual da Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas (SIRE), as vendas externas de carne bovina representam 52,6% do valor total exportado pelo país, impactando diretamente na economia brasileira.
Figura 1 – Perdas econômicas totais estimadas devido à brucelose bovina por estado no Brasil (SANTOS et al.,2013).
Figura 2 – Percentual de perdas do agronegócio Bruto Interno Produto (PIB) da brucelose bovina por estado no Brasil (SANTOS et al.,2013).
Atualmente, o MAPA (Ministério da Agricultura e Pecuária) apresentou um documento que aborda a situação da brucelose no Brasil, avaliando período de 2014-2018 sob os aspectos relacionados à vacinação; diagnóstico; habilitação de médicos veterinários; importância da GTA; vigilância em frigoríficos e laticínios; saneamento dos focos e análise individual de cada unidade federativa (BRASIL, 2020).
No que diz respeito à vacinação, sabe-se que é obrigatória em todo território nacional e deve ser aplicada por médico veterinário cadastrado ou vacinadores auxiliares sob a supervisão do cadastrado devido ao fato de ser uma vacina viva e que demanda cuidados no seu manejo. De acordo com o PNCEBT (Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose), essas vacinas devem ser fiscalizadas para que seja gerada, de seis em seis meses, uma lista de propriedades adimplentes e inadimplentes no final de cada etapa de vacinação. Nesse contexto, foi observado que a maior parte dos vacinadores auxiliares se encontrava em MT, BA, RO e GO proporcionando uma cobertura vacinal de aproximadamente 80% observados nas figuras 3 e 4. Nas unidades federativas de CE, PB, RS, SC e SP não há vacinadores auxiliares cadastrados, porém, mesmo com esse cenário ainda é notável que a maioria deles conseguiu alcançar coberturas vacinais adequadas (figura 4).
Figura 3 – Número de auxiliares vacinais cadastrados nos SVE para a vacinação contra a brucelose em 2018 (BRASIL, 2020).
Figura 4 – Índice vacinal de brucelose em bezerras de 3 a 8 meses por UF em 2018 (BRASIL, 2020).
Em relação ao sul do Brasil, Santa Catarina é um estado que não realiza a vacinação por ter uma baixa prevalência da doença e isso pode ser observado nas figuras 5 e 6. Demonstra ser também, um dos estados que mais notifica casos suspeitos em frigoríficos e laticínios havendo a eliminação proporcional ao número de casos quando existem e são confirmados. Já o Rio Grande do Sul, é o estado que mais concentra propriedades certificadas de estabelecimentos livres da doença (figura 7). Sendo assim, todas essas informações evidenciam que o PNCEBT se consolidou em nível nacional.
Figura 5 – Número de casos de brucelose notificados por UF de 2014 a 2018 (BRASIL, 2020).
Figura 6 – Número de focos, casos e animais eliminados de brucelose no Brasil, de 2014 a 2018 (BRASIL, 2020).
Figura 7 – Número de propriedades certificadas como livres de brucelose por UF, 2018(BRASIL, 2020).
Mesmo com o PNCEBT atingindo níveis desejados no que diz respeito aos seus princípios e objetivos, ainda há o desafio do conflito de interesse mediante o diagnóstico da doença e saneamento dos focos. A rotina de atividade do Médico Veterinário em uma propriedade é realizar exames e notificar que há casos positivos no rebanho. Porém, alguns momentos, este fica inibido em notificar os casos ao Serviço Veterinário Oficial, visto que fora contratado para a prestação de serviços naquela propriedade. Tal ocorrência geraria muitos problemas ao criador tais como a interdição da propriedade, a eutanásia dos animais reagentes e, em alguns casos, todas as ações para alcançar o saneamento do rebanho, gerando uma imensa perda econômica que, muitas das vezes, não é compensada por ausência de indenização, pois esta pode não estar prevista em legislação estadual. Observa-se na figura 8 que apenas quatro unidades federativas indenizam os proprietários por meio de fundos agropecuários. O conflito de interesses e a falta de indenização para animais positivos podem ser considerados dois grandes gargalos para o sucesso do PNCEBT na atualidade.
Figura 8 – Unidade Federativa em que o fundo indeniza animais positivos para brucelose e/ou tuberculose (BRASIL, 2020).
Fica claro que a brucelose é uma doença que permite uma análise por diversos aspectos, sendo o econômico sempre o mais abordado por conta do seu potencial para o país. Porém, não pode ser negligenciada quanto a sua importância em saúde pública. O objetivo de erradicação da doença no país não só impacta em reflexos positivos na economia e saúde animal quanto também influi diretamente na vida dos profissionais que lidam com esses animais diariamente, seja no seu manejo no campo e em frigoríficos ou, indiretamente, com a população consumindo produtos de origem animal. Sabe-se que industrialmente, o leite passa por processos nos quais o torna seguro para o consumo porém, na produção artesanal isso não ocorre em sua totalidade, havendo carência de informação a respeito dos aspectos sanitários do produto que está sendo fabricado. A disseminação de informação a respeito da doença para os indivíduos que estão envolvidos nessa atividade, além de sua legalização, é extremamente importante.
Nesse contexto, se torna indispensável a concretização da educação sanitária por meio de assistência nas propriedades, formulação de cartilhas e cursos sobre o assunto nos estados. A educação sanitária pode parecer algo simples para alguns, mas tem um papel de mudança incrível na sociedade e isso é visto desde o final do século XIX com o aparecimento de doenças transmissíveis como varíola e peste bubônica, que impactavam a saúde, geravam danos econômicos e eram resolvidas – além do isolamento e tratamento instituído – com informações e orientações para o seu controle e erradicação.
Referências bibliográficas
BRASIL. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA. Instrução Normativa Nº77 de 26/11/2018. Ficam estabelecidos os critérios e procedimentos para a produção, acondicionamento, conservação, transporte, seleção e recepção do leite cru em estabelecimentos registrados no serviço de inspeção oficial, na forma desta Instrução Normativa e do seu Anexo. Disponível em <https://www.defesa.agricultura.sp.gov.br/legislacoes/instrucao-normativa-mapa-77-de-26-11-2018,1214.html>. Acesso em 01/05/2023
BRASIL. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA. Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e da Tuberculose Animal. Disponível em < Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e da Tuberculose Animal – PNCEBT — Ministério da Agricultura e Pecuária (www.gov.br)>, acesso em 01/05/2023.
BRASIL. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA. Diagnóstico situacional do PNCEBT. Disponível em < DSPNCEBT.pdf (www.gov.br)>, acesso em 01/05/2023.
SANTOS, Renato L. et al. Perdas econômicas devidas à brucelose bovina no Brasil. Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 33, n. 6, p. 759-764, 2013.
Fonte: Animal Business
Comments